sexta-feira, 23 de março de 2018


Águas para a Vida!

                           Nísio Miranda                                
       
                         “A água é o princípio de todas as coisas”  
                                                                 (Tales de Mileto)

Há muito estudamos e trabalhamos com as questões ambientais, especialmente as inerentes ao elemento mais importante, do ponto de vista da manutenção da vida, em todos os seus aspectos: a água. E sob uma perspectiva que talvez não interesse – mas deveria interessar - a todos: a de que a água não é um recurso. Água é patrimônio. Para chegarmos a esta conclusão, basta pensarmos que recurso é algo negociável, que se vende, do qual se dispõe, de acordo com as circunstâncias; e ao patrimônio nos dedicamos, cuidamos, preservamos, zelamos por sua manutenção e até tendemos à busca pela sua multiplicação. E o compartilhamos, a qualquer tempo e sem contrapartida.

No dia 22 de março, comemoramos o Dia Mundial da Água. Em anos anteriores, vivemos este dia com a angústia e a apreensão provocadas pela iminente falta dela, em toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte – território no qual focamos nossa atuação neste momento – bem como em vários pontos de Minas Gerais e do País. Neste 2018, um pouco aliviados, podemos comemorar, relativamente ao abastecimento da RMBH, pelas chuvas constantes e intensas. E lamentar, também, pelos inúmeros problemas causados nas cidades, estradas e áreas de maior vulnerabilidade ambiental, que trazem, além de prejuízos ambientais e materiais, risco às nossas vidas, o que nos faz refletir sobre a nossa incapacidade de convivência com o que considero ser o mais importante e forte elemento da Natureza.

Neste momento, o mundo mantém seus olhares para a nossa Capital Federal, pelos mais diversos interesses que a água desperta e, o que é pior, pelos diversos conflitos hoje já estabelecidos em torno dela. No centro das discussões do 8º Fórum Mundial da Água (idealizado e produzido por organismos internacionais, empresas e alguns governos nacionais que insistem em encarar a água como “recurso”), a sua valoração como mercadoria, a sua privatização e a apropriação por grandes grupos econômicos, que a sujeitariam às regras de um mercado nem sempre justo ou interessado em preservar os direitos universais – humanos, animais e ambientais – a ela imanentes. 

Por outro lado, no Fórum Alternativo Mundial da Água – FAMA, realizado paralelamente àquele, a tentativa de se construir uma ampla articulação social, institucional e política em torno do reconhecimento da água como um patrimônio e direito humano, universal, difuso e coletivo. Bem inestimável a ser preservado e usufruído por todos, de forma equilibrada, inteligente, parcimoniosa e racional, com acesso e disponibilidade em quantidade e qualidade, garantindo a sua preservação para as gerações vindouras, numa confirmação da sua natureza de direito inalienável de todos os seres vivos.

No caso da RMBH, especialmente nossa Capital deverá se dedicar, de modo vigoroso e sistemático, em cooperação com o Estado e os municípios vizinhos, a estudar, planejar e executar, sem morosidade, ações que garantam, no futuro, abastecimento regular e qualificado de água, considerando seus múltiplos usos. Primar, também, pela identificação (não tão difícil, por óbvias) e a eliminação das principais causas dos problemas e transtornos que afetam a população, sempre que chuvas intensas atingem a região, mesmo em períodos de baixas – mas concentradas – precipitações pluviométricas. 

Em diálogo constante no âmbito dos Comitês de Bacias Hidrográficas, em seminários, cursos, audiências públicas e eventos em que o tema é abordado e estudado com afinco, pela sua urgência, temos nos convencido, a cada dia mais, de que a garantia da manutenção do abastecimento de água para Belo Horizonte e outros municípios da RMBH, num futuro próximo, só se dará a partir de um grande acordo com os municípios localizados no Alto Rio das Velhas e até em parte da Bacia do Paraopeba – principais abastecedores da RMBH – não necessariamente integrantes do território metropolitano. Na construção de uma cooperação que determine o pagamento, por meio de recursos diversos, de acordo com a necessidade e aplicabilidade de cada recebedor, pela prestação de serviços ecossistêmicos, compensando esses municípios pela preservação das condições ambientais necessárias não só à acumulação e à reservação, mas à produção de água em seus territórios. Isso implicaria em restrições à expansão urbana, das atividades industriais diversas e à impermeabilização, e na necessidade de implementação de sistemas e práticas para a preservação e o manejo adequado do solo, a restauração de nascentes e ecossistemas, que assegurem perenidade aos mananciais, com quantidade e qualidade. As práticas agroecológicas e agroflorestais como instrumentos de geração de trabalho, renda e segurança alimentar e nutricional, neste contexto, contribuiriam para o fortalecimento da economia desses municípios, com a aquisição da produção desses arranjos pelas administrações e as populações dos municípios da RMBH.

Já na perspectiva do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – 11, que almeja “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”, os municípios metropolitanos – mais uma vez, em especial, Belo Horizonte – em concordância com inúmeros envolvidos com as políticas públicas de abastecimento e saneamento, deverão se desdobrar na missão de reverter as intervenções que invisibilizaram e estreitaram o leito dos cursos d’água em suas áreas mais adensadas; trabalhar fortemente na instalação de equipamentos urbanos sustentáveis e acessíveis à população, como parques lineares no entorno de nascentes e mananciais urbanos, de modo a sensibilizar a sociedade para a necessidade de convivência e preservação desses como condição sine qua non para a sobrevivência das cidades. Investir na estruturação de uma rede de áreas de proteção ambiental e de drenagem e armazenamento adequado de águas pluviais, de ampliação da rede de interconexões com estações de tratamento terciário de efluentes, garantindo a qualidade da água após a sua passagem pelo núcleo mais populoso da Região Metropolitana, para o abastecimento dos municípios a jusante.

O apoio à atuação e a atenção às propostas e sugestões dos comitês e subcomitês (estrutura descentralizada do CBH-Velhas) de bacias hidrográficas torna-se um diferencial relevante e enriquecedor na implantação dessas políticas, considerado o enorme acervo documental e de conhecimento em poder desses organismos, e seu potencial multiplicador e mobilizador em torno das causas preservacionistas da água.

Como alento, a percepção de que não há inércia na busca de soluções e salvaguarda desse nosso patrimônio. Muito se tem estudado, debatido e planejado, nas universidades, governos e organizações sociais, resultando em produtos como o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado - PDDI da RMBH, concebido pela Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – ARMBH, em cooperação com a Universidade Federal de Minas Gerais e outras, com ampla participação social, hoje em tramitação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, para que seja transformado em Lei Complementar; o Macrozoneamento Metropolitano, parte integrante dos estudos do PDDI; o Sistema de Informações do CBH-Rio das Velhas (Siga – Rio das Velhas); e a Plataforma de Infraestrutura de Dados Espaciais – IDE, do Instituto Mineiro de Gestão das Águas – IGAM, dentre outras iniciativas. E alguma coisa tem sido feita, no campo das políticas públicas, por parte de empresas públicas, governos, universidade e sociedade civil, como os programas Pró-mananciais, da Copasa/MG e Plantando Futuro, da Codemig; a Rede Urbana de Agroecologia Metropolitana, com inúmeros atores sob a coordenação do grupo de Estudos em Agricultura Urbana – AUÊ!, da UFMG; as feiras agroecológicas da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário – Seda; as intervenções hidroambientais dos SCBHs do CBH-Rio das Velhas, que contemplam a restauração de nascentes urbanas, a instalação de fossas sépticas, o financiamento de Planos Municipais de Saneamento Básico e de Planos de Manejo de Unidades de Conservação, dentre outros projetos financiados com os recursos da cobrança pelo uso das águas, dentre outras. A integração dessas iniciativas poderia significar um grande ganho em escala e qualidade das soluções delas advindas.

Diante desse quadro, caminhemos! Há esperança! É o que nos entusiasma e alimenta a luta! Com a certeza de que a preservação e o uso sustentável de nosso Patrimônio Hídrico e Ambiental equivalem à nossa autopreservação e à sagrada preservação, em cada rincão e em toda a aldeia global, da Vida: a que é e a que será!

terça-feira, 28 de junho de 2016

Por que ainda estamos discutindo a PEC 65/2012? Por Isabelle Meunieri


[EcoDebate] Recentemente, ambientalistas, gestores, juristas, técnicos, comunidade acadêmica e sociedade em geral foram surpreendidos com a “aprovação”, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 65/2012, de autoria do senador por Goiás, Acir Gurgacz, relatada pelo senador Blairo Maggi.
A PEC 65, como iremos chamá-la de agora em diante, se realmente aprovada, colocaria em xeque o processo de licenciamento ambiental no Brasil, com resultados imprevisíveis. Na verdade, é quase impossível saber quais seriam os seus reflexos no processo de licenciamento e de avaliação de impactos ambientais, pois, de tão mal concebida e cheia de erros, não apenas confronta os princípios constitucionais, mas todo o arcabouço conceitual já estabelecido sobre o tema.
Parece, no entanto, que podemos respirar (quase) aliviados: a PEC 65 não foi aprovada, mas apenas “admitida a sua tramitação”, e parece remota a possibilidade, ao fim das discussões e votações exigidas à aprovação de uma PEC, de que ela resista, muito mais pelos seus erros grosseiros do que pela reação dos seus oponentes.
Atualmente sob a relatoria do senador Randolfe Rodrigues, a PEC 65 encontra-se na pauta da próxima reunião da mesma Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), com um novo parecer indicativo de inconstitucionalidade, aguardando votação. Assim, talvez daqui há alguns dias ou semanas, não valha a pena voltar ao assunto… Mas, por enquanto, algumas dúvidas resistem, juntamente à incerteza quanto ao seu arquivamento: por que um terço dos senadores, de diferentes partidos e posições, assinaram a PEC 65, sem se dar conta dos seus erros e dos possíveis efeitos danosos ao sistema de controle ambiental brasileiro? Por que, enfim, criou-se um fato (ou factoide) que exigiu a atenção e a reação de ambientalistas, gestores, juristas e acadêmicos? Não seria mais fácil haver uma análise prévia de mérito, coerência e constitucionalidade – e mais fácil, ainda, os senadores (ou seus assessores) lerem o que apoiam como proposição?
Mas, do que trata a tal PEC 65? De acordo com o proposto pelo senador goiano, deveria ser acrescentado ao Artigo 225 da Constituição, do qual emanam as normas jurídicas que sustentam a Política Nacional do Meio Ambiente e cujo caput sintetiza alguns dos importantes princípios do Direito Ambiental, mais um parágrafo, o 7º, com a seguinte redação: “A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente.”
Como assim “a apresentação do EIA importa a autorização para execução…”? Parece que se esqueceu da necessidade de análise e discussão com os interessados e a sociedade em geral, assim como da possibilidade de alterações e, eventualmente, de rejeição dos estudos ambientais. Além disso, as normas vigentes determinam que a aprovação dos estudos prévios de impactos está associada à Licença Prévia, que atesta a viabilidade ambiental da concepção do projeto e não confere uma “autorização para execução”.
Ainda há mais uma curiosidade na PEC, que também escapou da leitura dos senadores que a assinaram: na sua justificativa (sim, há uma justificativa!), alega-se ser isso necessário para não atrasar as obras públicas, tantas delas fora do cronograma original ou totalmente paralisadas. Mas onde, no texto da PEC, está a palavra “pública”? E mesmo se acrescida essa palavra (digamos que esse fosse o pequeno “bode na sala”, fácil de se negociar…), quem garante que toda obra pública é de utilidade pública e merece tratamento diferenciado? Além disso, não havendo a correta análise dos impactos e adequadas proposição e execução de medidas mitigadoras e compensatórias – assim como a possibilidade concreta de controle do cumprimento das condicionantes – mesmo em obras de utilidade pública, é sempre o povo que sofre as consequências, diretas ou indiretas, e cabe a ele exigir uma adequada ação do Poder Público.
Obviamente, a aprovação (da admissibilidade, vejam bem… a imprensa não esclareceu, especialistas não tiveram a pachorra de explicar, mas foi isto que foi aprovado na CCJC do Senado…) resultou em fortes reações de ambientalistas, Ministério Público, associações de diferentes naturezas e perfis. Reconhece-se tratar de algo tosco, disparatado, de rejeição quase unânime. Portanto, não deveria ser necessário mobilizar forças e energias para reagir a algo que não poderia ter encontrado ambiente para prosperar.

Acreditando que a PEC 65 seja considerada inconstitucional, ainda assim restam dúvidas, talvez merecedoras de maior atenção: outras iniciativas em curso, todas com vistas a modificar de alguma forma o processo de licenciamento ambiental, buscam avançar em qualidade, precisão, celeridade, segurança e transparência, tendo como objeto a proteção do equilíbrio do meio ambiente, bem de uso comum do povo? O que conhecemos dessas propostas e quais os seus interesses, explícitos ou nem tanto?
É preciso estar atento para outras alterações no licenciamento ambiental que estão sendo gestadas, muito mais sutis e possivelmente mais eficazes. Menos toscas e, por isso mesmo, merecedoras da nossa atenção… É o caso do Projeto de Lei (PL) 654/2015, de iniciativa do Senado, que pretende acelerar o licenciamento ambiental de obras consideradas estratégicas, e o PL 8062/2014, tramitando na Câmara, que também se propõe a regulamentar o licenciamento ambiental, juntamente a outros projetos de lei apensados.
Ainda há de se conhecer a proposta da Associação Brasileira de Entidades de Meio Ambiente (ABEMA), atualmente em um conflituoso processo de discussão no Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), sem a necessária participação social, visando a “atualização” das Resoluções CONAMA nº1/1986 e nº 237/1997.
É preciso compreender que a participação é um princípio da Política Nacional de Meio Ambiente e precisa ser cultivada com respeito à cidadania, envolvimento efetivo nas questões que afetam toda a sociedade e consolidação de instrumentos de informação, formação e controle social. Para isto, estudar, discutir, se informar e opinar são atitudes fundamentais.
Compreende-se as reações apaixonadas contra a PEC 65. Mas é preciso duplicar as atenções para analisar as demais propostas e preparar-se para reagir ao que possa se constituir em mais alguns retrocessos na legislação ambiental brasileira.

Profa. Isabelle Meunieri é Engenheira Florestal, Doutora em Ciências Florestais, Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

in EcoDebate, 28/06/2016

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Auto de Desagravo a Bento Rodrigues
                                                        Nísio Miranda
A alma de Minas
está soterrada.
A alma dos Gerais
está enlameada.
Como repletos de lama
estão meus ouvidos,
minhas narinas,
minha boca,
meus olhos,
meus pulmões,
as estradas.
Limpa, apenas a
Consciência
Dos omissos.
Imaculada, apenas
a imprevidência
dos impunes
desse e de outros
crimes de mesma
- ironicamente - lavra.
À extensão ampliada
das crateras,
ao crescimento
desmedido dos buracos,
a inversa proporção
ao cuidado,
a ínfima preocupação
com o todo
e a percepção inflada
do lucro.
Ah, sagrado solo
dessas Minas!
Ah, indispensável água
dessas fontes!
Ah, vidas ceifadas
por essa sina
de ser apenas riqueza,
- mero recurso -
aos olhos
insensíveis dos
que investem e
e às burras eleitorais
dos que governam!
E dos que, incautos,
esperam sempre o
tempo da solidariedade,
e a exercem como se se
redimissem
da ausência de convicção
e seriedade
com que deveriam
exercer suas escolhas.
Que dobrem os sinos
de Mariana, de Ouro Preto,
de Congonhas, do Mato Dentro,
de São Gonçalo, de Nova Lima,
de Sabará, de Santa Bárbara!
Que dobrem, de Minas, todos sinos!
Pelas mulheres, pelas meninas,
pelos homens, pelos meninos,
por suas almas, por seus destinos,
Dobrem, dobrem, de Minas, todos os sinos!
Que dobrem, de Minas, todos os sinos! 
Pelos que dormem, pelos que sonham,
pelos poderosos, pelos pequeninos,
pelos que choram, pelos de antes,
pelos de hoje, pelos que virão...
Pelas panelas, ora silentes.
Dobrem, dobrem, sinos de Minas!
Pelos eleitos, pelos esquecidos,
pelos atingidos, pelos que não viram,
pelos ungidos, que aqui não vivem,
mas sofrem, solidários e melancólicos,
a dor planetária de Gaia ferida
Dobrem, dobrem, de Minas, todos os sinos!
Sinos ironicamente fundidos
da mesma matéria,
da mesma omissão,
da mesma inconsequência,
da mesma hipocrisia.
da mesma irresponsabilidade
do mesmo vil e sórdido metal que,
per saecula saeculorum,
cruelmente, nos soterram;
impunemente, nos assolam.




Nísio Miranda é Bacharel em Direito, Especialista para o magistério superior em Direitos Difusos e Coletivos, Especialista em Poder Legislativo, poeta e ambientalista.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Carta das férias na Casa da Árvore

                                                                                                                 por Nísio Miranda

Prezado senhor prefeito, secretários e competentes assessores. Tenho o prazer de comunicar-lhes que minha filha está adorando a casa na árvore que a total ausência de cuidado e podas nos viventes arbóreos do nosso bairro, ao longo de cinco anos, lhe proporcionou. É o maior barato! A árvore em frente ao nosso prédio tornou-se um criatório de pernilongos, pequenos insetos e de morcegos (que certamente vinham aqui banquetear e resolveram mudar-se de vez, devido à fartura de alimentos) que são a alegria da casa e da vizinhança! Os últimos, inclusive, nos presentearam, além da aparência graciosa, com um painel sui generis, originado da técnica de impressão do rubro de suas fezes nas paredes de pastilhas claras e nas grades da fachada. Uma instalação fascinante desses verdadeiros artistas! Vê-se claramente o despeito no olhar de alguns vizinhos e transeuntes...

A farta sombra que ela proporciona também é fantástica! Fez dobrar a minha conta de energia elétrica, pelo uso constante de luzes artificiais durante a maior parte do dia, principalmente quando alguém está estudando ou se deliciando com a leitura de um bom livro. Acredito que a conta de luz dos vizinhos tenha triplicado, pois a sombra atinge mais as suas janelas do que as nossas. Ou seja, estamos contribuindo com um reforço para o caixa de uma importante estatal, concessionária de serviços de energia elétrica. Não é louvável? Talvez assim ela se digne a prestar melhores serviços à população e distribuir menos lucros aos seus acionistas, nesse novo governo. Inclusive, a fiação elétrica, que é de seu uso e fica sob a sua responsabilidade, em alguns pontos serve de gangorra para os galhos da nossa plantinha e, em outros, gangorram no berço formado pela poda egoísta que à companhia é permitida executar, cidade afora.

Por falar em vizinhos, todos os moradores do andar térreo do nosso prédio estão muito felizes e orgulhosos com a possibilidade de, muito em breve, terem a ponta de uma raiz de árvore dentro de suas salas. Um ser vivo/objeto decorativo que fará sucesso e causará inveja nos demais moradores do condomínio – caso ela não alcance os andares mais altos. É que já não sabemos mais como conter suas investidas contra o nosso passeio, em direção aos alicerces e, consequentemente, aos canos de água e de coleta de esgoto.

Os motoristas que passam por nossa rua e, eventualmente, a utilizam para estacionamento, são outros que encontram-se super felizes com a presença robusta da velha gameleira, também conhecida como quaxinguba e figueira-brava (Ficus insipida), e com a pujança com que os galhos vão formando sua copa. É que a raiz, não contente em invadir a calçada e começar a vislumbrar como território de nova conquista o nosso combalido jardim (condição pela qual também agradecemos à sua sombra fabulosa), ocupa uma vaga inteira de estacionamento, permitido nos finais de semana, na faixa externa da rua. O murundu ainda possibilita aos motoristas manobras radicalíssimas nos momentos de maior trânsito, para dele se desviarem sem colidir com os veículos que transitam ao seu lado. É gratificante observar quantos bons motoristas temos na capital mineira(!), pois pouquíssimos acidentes acontecem no trecho.

E não é só ao solo que os motoristas devem atentar, ao desfilarem com seus carangos na via que nos serve de endereço e domicílio. A atenção deve ser redobrada com as intervenções aéreas dos mirabolantes galhos que já vão de encontro às janelas do prédio vizinho – do outro lado da rua! Vez ou outra algum baú de caminhão inadvertido costuma, involuntário, enlaçar-se com um carinhoso tentáculo da “poderosa”. Outra vantagem desses avanços de galhos e ramagens é que a sinalização de uma e outra extremidade da via fica, conforme o ponto de visão, completamente empanada pela cabeleira imponente. Isso permite aos condutores mais audaciosos imprimirem um pouco mais de velocidade em seus bólidos, até que descubram que a fila começa a se formar por causa do sinal fechado e... freiam bruscamente. O que nos alegra é que essa situação não é privilégio só da nossa rua: 90 % dos semáforos do nosso bairro e das redondezas estão ofuscados pela verdura de alguma copa. E a sinalização horizontal, bem como as placas, estão em péssimas condições de conservação e visibilidade. O que é bom, pois na ausência de faixas de pedestres e advertências de “pare”, o trânsito flui mais rápido... Não é?

Outra informação que talvez não lhes cause nenhuma reação, apenas para complementar esta missiva, é que, pelo que acompanho do nosso condomínio, nosso IPTU e o IPVA dos moradores, mesmo com sacrifício, andam rigorosamente em dia. E não nos importaríamos se parte do que é arrecadado pelo município nessas rubricas tributárias fosse investido nesses serviços cotidianos de cuidado e manutenção.

Finalmente, queridos gestores, quero agradecer pela possibilidade de, ambientalista e amante da natureza que sou, hoje me ver tentado e desejoso de que algumas árvores sejam radicalmente suprimidas de nossas ruas e bairros. Destocadas! Extirpadas! Não! Longe de mim odiá-las! Eu as amo muitíssimo! Mas deixo aflorar (aflorar? É, o tema realmente mexe com a gente), assim, o meu repúdio pela incompetência dos que escolhem – ou escolheram – os espécimes a serem plantados nos espaços urbanos, talvez desde muito antes de vocês chegarem aos cargos que ocupam. E lastimar pela acomodação em se omitirem a que vocês se acostumaram, desde que aí estão.

 Prometem que, quando algo de muito grave acontecer por causa desta omissão,


como a queda da “poderosa Game” ou de uma de suas irmãs sobre um veículo ou prédio, o rompimento de aquedutos ou o desmoronamento de um prédio, ou o dano a uma carga valiosa, ou, ainda – que Deus nos defenda! - colisões ou atropelamentos com vítimas fatais... Vocês prometem que aparecerão com alguma solução? Temos certeza de que sim. Então, naturalmente gratos, verdes de convicção, aguardamos. Abraços ecológicos em todos!

P.S.: "Comparação!", como diz a excelente atriz Cida Mendes incorporada de sua impagável personagem Concessa: frutíferas podem ser uma alternativa à arborização urbana. Bons aromas, lindas flores, a maioria de médio porte e raízes pivotantes ou axiais, bons frutos, que podem ter a função de alimentar as pessoas, os pássaros e demais animais silvestres, inclusive os morcegos, muitos em franca migração para a cidades.

Nísio Miranda é Bacharel em Direito, Especialista para o magistério superior em Direitos Difusos e Coletivos, Especialista em Poder Legislativo, poeta e ambientalista.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

A fábula petista

No artigo abaixo, Frei Betto cumpre o seu papel de militante de esquerda, petista desde a origem da legenda, analisando o comportamento de algumas lideranças e liderados que se "descolaram" das bases e das propostas essenciais à existência e ao fortalecimento do partido, emanadas em seu nascedouro. A análise resvala, ainda, na realidade mal-cheirosa e repugnante da política brasileira, das práticas asquerosas e corruptas que se inauguraram - ao contrário do que pensam críticos sempre de plantão, dispostos a malhar o "Judas" da política, para a classe média - mas realizador dos sonhos populares brasileiros - no descobrimento do nosso país. 

Tenho, ainda, muito respeito e admiração pela grande maioria dos nossos líderes e militantes. E até dos que, por desventura ou por maledicência midiática repetitiva, que transforma mentiras em verdades, supostamente afastaram-se do seus ideais primeiros, tão nobres. 

A análise que faz o nosso companheiro Frei Betto não é desesperançada ou definitiva, em suas decepções. Antes, traz nas entrelinhas a esperança e a confiança veladas em uma guinada à esquerda de nossa maior liderança eleita, neste momento: a presidenta Dilma Vana Roussef. Eu também tenho essa esperança e essa confiança. Porque acredito, plenamente, que nenhuma outra representação partidária fez tanto por um país em tão pouco tempo. Um país mal colonizado e mal resolvido em suas mais remotas contradições históricas, saqueado e aviltado por suas posições (até pouco tempo) amedrontadas diante dos neocolonizadores, uma Nação massacrada por longo período ditatorial (em que padeceram, também, a Dilma e muitos dos nossos combativos companheiros). Uma pátria sem futuro, em muitos de seus momentos: sem crédito, sem infraestrutura, sem emprego, sem saúde, sem produção, à espera eterna do crescimento de um bolo ilusório para ser repartido. Uma nação que foi a última a abolir a escravidão!

A história, como os números, não mente. Não há como negarem os avanços de (apenas) doze anos, num universo de 514 anos. Que os dedos nas chagas, os puxões de orelha, vindos de quem de direito, como o Frei Betto, sejam bálsamo para as feridas (poucas, mas profundas, até pela exposição diferenciada e implacável a que são submetidas) que marcaram a história do PT. 

Eu continuo acreditando no meu partido, no meu país e naqueles (as) que pretendem continuar construindo o bem comum, mesmo com percalços, com falhas e sem a agilidade que quem esperou 500 anos, naturalmente, anseia. 

E desejo muito que os críticos "só por serem" - esses algozes sem criatividade e sem proatividade, à beira da estrada, apontando o dedo e zombando da caravana que se move - e não os analistas - principalmente os da estatura de Betto - sejam silenciados com obras, com mais avanços, com mais educação, mais moradia, mais saúde, mais comida na mesa, mais cidadania, mais alegria e congraçamento do povo brasileiro. Para que os que assim não desejam e para isso não torcem, possam se auto degredar em um canto qualquer de mundo e lá remoer suas angústias, egoístas insatisfações e indignações seletivas, "ad aeternum".

Leiam:

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/11/1545106-frei-betto-a-fabula-petista.shtml

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A ESTIAGEM, A SECA E A BUSCA DE SOLUÇÕES - por Nísio Miranda


                         
                                                                                  
Vivemos momentos estarrecedores de estiagem, seca e esvaziamento de reservatórios de água estratégicos para o estado e para o País, tanto do ponto de vista do abastecimento de água para os mais diversos fins, quanto do ponto de vista energético, de geração de energia hidrelétrica.

Há cerca de um mês, o maior sistema de abastecimento público de água do País - o Cantareira, em São Paulo - formado por inúmeros rios, nascidos em Minas Gerais e naquele estado, teve que ser submetido à liberação de utilização de seu volume morto – reserva emergencial do volume total acumulado. Poucos dias depois, anuncia-se o comprometimento do Sistema Alto Tietê e, agora, vemos ameaçado o Guarapiranga. Em Minas Gerais, estado considerado a “caixa d'água do Brasil”, por seus inúmeros rios e mananciais e grande capacidade de absorção e acumulação hídrica em suas serras e lençóis freáticos, a situação não é diferente. O Lago de Três Marias, formado pelas águas do Rio São Francisco e seus afluentes, na região central de Minas, está sob forte ameaça de total esvaziamento. Bem como Furnas, no sul do estado.Conflitos pela utilização de água para a agricultura, a dessedentação humana e animal e para a indústria, pipocam, diariamente, já em muitas regiões.

Em meio ao caos anunciado, pontos de esperança surgem em diversas partes do País, na iniciativa de grupos de pessoas abnegadas, que buscam soluções não-convencionais e longe dos gabinetes do poder, mas articulando-se para chegar até eles de forma organizada, participativa e reivindicativa, num modo solidário de buscar o bem comum.

Em São Paulo, organizações não-governamentais estão estimulando a criação de comitês da sociedade civil, com atuação paralela aos comitês de bacias hidrográficas, para o monitoramento da distribuição de água. Querem alertar a população para a urgência da conservação dos recursos hídricos, incentivando a redução do consumo, a tomada de decisões urgentes para o combate ao desperdício e os investimentos em melhorias da gestão hídrica pelo poder público.

Em Buritis, Noroeste de Minas Gerais, criou-se o Comitê de Defesa da Bacia do Rio Urucuia (COMDRU), que convoca audiências públicas – uma marcada para o dia 12/10/2014, às 09:00 horas, na Câmara Municipal daquele município –, promove discussões e reúne agricultores familiares, técnicos, lideranças comunitárias e organizações para cumprir o seu objetivo: defender a utilização responsável, compartilhada e justa das águas daquele importante afluente do Rio São Francisco.

Isso nos leva a refletir sobre a importância do protagonismo da sociedade civil na gestão e na preservação do nosso patrimônio hídrico. Com o agravamento das mudanças climáticas, o distanciamento das precipitações nos ciclos hidrológicos, o desmatamento e inúmeros outros fatores que, inevitavelmente, nos levarão à escassez de água ou à perda de sua qualidade para muitos fins, é urgente que todos possamos nos apoderar do máximo de informações sobre o tema, multiplicá-las entre amigos e vizinhos, discutir em comunidade e buscar soluções para o que, na verdade, pode significar prejuízos materiais, doenças, sede, fome e o mais grave de tudo isso: a perda de vidas.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

À Guisa de um Guia para o "Caminho do Sertão: de Sagarana ao Grande Sertão: Veredas"

                                                                                     Nísio Miranda

       (Por todos os caminhos, caminhadas e caminhantes em que podemos crer)


Caminheiro, ao caminhares,
além do que vês – caminho –
encontrarás, no sertão,
o teu ninho e o teu
voar.
Da imensidão - resoluto -
do sertão, a contemplar,
a intrigante questão
“de onde viemos, que somos?”
de tua alma assuntará:
- Em qual caminho,
em qual vereda,
minha travessia se dará?
Quanto vale o que carrego,
quanto tenho a partilhar?
Quando encontrarei sossego,
quando angústia e esperança,
sussurros de além-mundo,
diálogo ou um profundo
silêncio a me perscrutar?
Na tua roseana jornada,
de uma obra a outra,
a estrada te dará,
do lume, o excerto,
de transcenderes
o simples "de onde partir
ou chegar".


Nada é óbvio ou banal.
Da paisagem retorcida em
caules de árida vida,
por ti, só, perceberás
que ali é que aflora a essência
da fortaleza e da paciência
do sertanejo e dos rios.
Tua sombra, poeira e sol,
pavimentando a estrada,
a provocar-te a querença
para a escuta generosa
de tudo o que sabe a utopia
na profusão do arrebol,
te farão forte, o bastante,
pra promover um levante
e resgatar o sertão
(o infinito sertão de Rosa)
que dentro de ti se encerra.
Saberás, ao fim dos passos
que não há mais fortes laços
dos que se constroem
na sanha
de resistir e amar;
de ser herói e bandido,
sendo palhaço ou mendigo,
um andarilho ou doutor,
cultuando as nobres artes,
saber línguas e verdades,
mas benzer-se na humildade
dos que laboram a esperança.
Vislumbrar o próprio umbigo,
mas também a aliança
que faz de nós um só corpo
no uno e na alteridade,
no todo ou no singular.


Saberás, ao fim de tudo
- caminhante embevecido
pela ascensão do andar -
que o sertão faz-se mundo
e está aqui e acolá,
ou bem dentro de nós
oriundo
do que, de Deus, em nós, há.
Teus caminhos, passos meus,
de braços dados com a história
- como um Quixote sem glória,
dúbio, descrente, a vagar –
revelarão a maior
das forças que (em vão?)
nos movem agora
e um sábio já versejara:
"Caminheiro, não há caminho.
O caminho se faz ao caminhar..."