quinta-feira, 9 de maio de 2013

Água: recurso escasso ou abundante?

Uma excelente reflexão sobre o uso e a disponibilidade de nosso patrimônio hídrico, com números que nos alertam para a necessidade de revermos conceitos e adotarmos melhores práticas na utilização da água. 

 

Água: recurso escasso ou abundante?

O cidadão-consumidor consciente da importância de não desperdiçar um recurso precioso como a água servirá de exemplo onde estiver, além de poder mobilizar outros
É lugar comum dizer que a Terra é o planeta água. No entanto, 97,5% da água do planeta é salgada, apenas 2,5% é doce, sendo que a maior parte dela está aprisionada em aquíferos subterrâneos e geleiras. Só 0,26% da água doce da Terra está disponível em lagos, reservatórios e bacias hidrográficas, mais acessíveis ao homem. Isso significa dizer que apenas 0,0065% da água na Terra é água doce disponível. Para se ter ideia de quão pouca água é doce e disponível, basta dizer que se toda a água da Terra coubesse em um balde de 10 litros, a água doce disponível seria o equivalente a apenas 13 gotas.
Por outro lado, o consumo dessas 13 gotas vem crescendo mais que o número de habitantes do planeta: entre 1900 e 2000, a população mundial aumentou 3,6 vezes (de 1,65 bilhão para 6 bilhões de pessoas), enquanto o consumo de água cresceu dez vezes (de 500 km3 por ano para aproximadamente 5.000 km3 por ano)[1].
O desafio é encontrar uma alternativa sustentável aos atuais modelos de produção e de consumo, que tem criado quatro macroproblemas com relação à água:
1. Concentração e dificuldade de acesso: agrande lacuna na disponibilidade de água quase nada tem a ver com escassez, isto é, com falta de água no sentido estrito do termo. Um exemplo é a Indonésia, um dos seis países com maior disponibilidade de água no mundo, onde o volume disponível é superior a 13 mil metros cúbicos de água por pessoa. No entanto, um quarto da população não tem acesso à água potável.
No Brasil, as regiões Norte e Nordeste são as que mais sofrem. Apesar de a Amazônia concentrar 81% do potencial hídrico do país, no Norte menos de 14% da população urbana é atendida por sistemas de abastecimento satisfatórios. No Nordeste, apenas 18% da população tem acesso satisfatório à água, e a região ainda concentra os maiores problemas do país em relação à disponibilidade de mananciais, por causa da escassez de chuvas.
Segundo o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos, apresentado no ano passado na Rio+20, quase 1 bilhão de pessoas em todo o mundo não têm acesso a fontes tratadas de água potável, e o número de pessoas que não têm acesso à água corrente nas cidades é maior hoje do que ao final do século passado.
2. Poluição: segundo a ONU[2], a poluição é hoje a principal causa da redução dos volumes de água adequada para o consumo, com sérios impactos na qualidade de vida das pessoas, na saúde, no investimento público, no custo da água para a população e no meio ambiente. Resíduos industriais e agrícolas e esgoto doméstico sem tratamento são as principais causas da poluição de mananciais.
3. Desperdício e excesso: nas cidades brasileiras, o maior desperdício se revela nas chamadas “perdas na rede”. É água que sai limpa e tratada da distribuidora, mas que não chega ao consumidor, pois se perde pelas tubulações velhas ou sem manutenção das empresas fornecedoras de água ou em instalações clandestinas, os chamados “gatos”. Em média, 37% da água tratada é perdida – um a cada três litros. Isso significa que, se não houvesse essas perdas, o brasileiro médio, que vive 73,5 anos, poderia viver até os 100 sem necessidade de aumentar o volume de água tratada. E, portanto, sem necessidade de investimentos em estações de tratamento de água. Bastaria que as concessionárias de água cuidassem de suas redes.
Além dessas perdas na distribuição, há os maus hábitos de uso da água pelo consumidor no dia-a-dia, como “varrer” a calçada com a mangueira, tomar banhos demorados, descuidar de torneiras com defeito, ou não consertar pequenos vazamentos. Além da água usada para matar a sede, cozinhar, limpar e se limpar, as pessoas “bebem” muita água embutida nos produtos e serviços que compram. No Brasil, e em média no mundo, agricultura, pecuária e indústria consomem, em conjunto, nove em cada dez litros produzidos. Da água destinada à agricultura brasileira, apenas 40% é efetivamente aproveitada. O restante é perdido pelos usos em excesso ou fora do período de necessidade da planta e nos horários de maior evaporação[3].
4. Aumento do custo: os problemas anteriores levam ao aumento do custo da água tratada. Quanto mais água se consome, se perde, se desperdiça ou se polui, tanto mais será gasto para buscar em novas fontes –  em geral mais distantes – e para tratar volumes crescentes de água nas estações de tratamento, volumes que serão desperdiçados e poluídos.
Como se pode ver, o problema é complexo e sua solução demanda ações de vários atores sociais. Um desses atores é o consumidor, que tem em suas próprias mãos a possibilidade de fazer parte da solução do problema. Aparentemente, essa contribuição do consumidor, frente ao conjunto dos problemas, é pequena. No entanto, se os cidadãos do mundo se conscientizarem dos problemas existentes em relação à água, cada um levará a todas as funções que desempenha no mundo esta mesma consciência – seja como funcionário de um governo ou de uma empresa, seja como cidadão de uma comunidade, seja como consumidor individual ou na relação de consumo junto à sua família. Nesse sentido, o cidadão-consumidor consciente da importância de não desperdiçar um recurso precioso como a água servirá de exemplo onde estiver, além de poder mobilizar outros cidadãos para um consumo consciente de água. Nessa perspectiva, as ações do consumidor individual passam a ter um significado e um impacto para muito além do domínio de sua própria casa, podendo influenciar o consumo de todos aqueles com quem se relaciona, tornando emblemático agir de outra maneira, de modo a só gastar o que realmente é necessário:
  • Economizar água nas atividades domésticas;
  • Optar por produtos que usem menos água em sua cadeia produtiva, de modo a incentivar a indústria e, sobretudo, a agropecuária, a inovar para reduzir o seu uso, e a zerar o desperdício e a poluição da água;
  • Usar todas as oportunidades de reduzir o desperdício de água ao mínimo na empresa ou organização onde trabalha; e
  • Pressionar governos e empresas fornecedoras de água para que reduzam as perdas na rede de distribuição, assim como o desperdício de água em suas próprias atividades.
 
Helio Mattar, Ph.D em engenharia industrial, é diretor-presidente do Instituto Akatu.

Artigo originalmente publicado na edição de abril da Revista Rossi.