quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Carta das férias na Casa da Árvore

                                                                                                                 por Nísio Miranda

Prezado senhor prefeito, secretários e competentes assessores. Tenho o prazer de comunicar-lhes que minha filha está adorando a casa na árvore que a total ausência de cuidado e podas nos viventes arbóreos do nosso bairro, ao longo de cinco anos, lhe proporcionou. É o maior barato! A árvore em frente ao nosso prédio tornou-se um criatório de pernilongos, pequenos insetos e de morcegos (que certamente vinham aqui banquetear e resolveram mudar-se de vez, devido à fartura de alimentos) que são a alegria da casa e da vizinhança! Os últimos, inclusive, nos presentearam, além da aparência graciosa, com um painel sui generis, originado da técnica de impressão do rubro de suas fezes nas paredes de pastilhas claras e nas grades da fachada. Uma instalação fascinante desses verdadeiros artistas! Vê-se claramente o despeito no olhar de alguns vizinhos e transeuntes...

A farta sombra que ela proporciona também é fantástica! Fez dobrar a minha conta de energia elétrica, pelo uso constante de luzes artificiais durante a maior parte do dia, principalmente quando alguém está estudando ou se deliciando com a leitura de um bom livro. Acredito que a conta de luz dos vizinhos tenha triplicado, pois a sombra atinge mais as suas janelas do que as nossas. Ou seja, estamos contribuindo com um reforço para o caixa de uma importante estatal, concessionária de serviços de energia elétrica. Não é louvável? Talvez assim ela se digne a prestar melhores serviços à população e distribuir menos lucros aos seus acionistas, nesse novo governo. Inclusive, a fiação elétrica, que é de seu uso e fica sob a sua responsabilidade, em alguns pontos serve de gangorra para os galhos da nossa plantinha e, em outros, gangorram no berço formado pela poda egoísta que à companhia é permitida executar, cidade afora.

Por falar em vizinhos, todos os moradores do andar térreo do nosso prédio estão muito felizes e orgulhosos com a possibilidade de, muito em breve, terem a ponta de uma raiz de árvore dentro de suas salas. Um ser vivo/objeto decorativo que fará sucesso e causará inveja nos demais moradores do condomínio – caso ela não alcance os andares mais altos. É que já não sabemos mais como conter suas investidas contra o nosso passeio, em direção aos alicerces e, consequentemente, aos canos de água e de coleta de esgoto.

Os motoristas que passam por nossa rua e, eventualmente, a utilizam para estacionamento, são outros que encontram-se super felizes com a presença robusta da velha gameleira, também conhecida como quaxinguba e figueira-brava (Ficus insipida), e com a pujança com que os galhos vão formando sua copa. É que a raiz, não contente em invadir a calçada e começar a vislumbrar como território de nova conquista o nosso combalido jardim (condição pela qual também agradecemos à sua sombra fabulosa), ocupa uma vaga inteira de estacionamento, permitido nos finais de semana, na faixa externa da rua. O murundu ainda possibilita aos motoristas manobras radicalíssimas nos momentos de maior trânsito, para dele se desviarem sem colidir com os veículos que transitam ao seu lado. É gratificante observar quantos bons motoristas temos na capital mineira(!), pois pouquíssimos acidentes acontecem no trecho.

E não é só ao solo que os motoristas devem atentar, ao desfilarem com seus carangos na via que nos serve de endereço e domicílio. A atenção deve ser redobrada com as intervenções aéreas dos mirabolantes galhos que já vão de encontro às janelas do prédio vizinho – do outro lado da rua! Vez ou outra algum baú de caminhão inadvertido costuma, involuntário, enlaçar-se com um carinhoso tentáculo da “poderosa”. Outra vantagem desses avanços de galhos e ramagens é que a sinalização de uma e outra extremidade da via fica, conforme o ponto de visão, completamente empanada pela cabeleira imponente. Isso permite aos condutores mais audaciosos imprimirem um pouco mais de velocidade em seus bólidos, até que descubram que a fila começa a se formar por causa do sinal fechado e... freiam bruscamente. O que nos alegra é que essa situação não é privilégio só da nossa rua: 90 % dos semáforos do nosso bairro e das redondezas estão ofuscados pela verdura de alguma copa. E a sinalização horizontal, bem como as placas, estão em péssimas condições de conservação e visibilidade. O que é bom, pois na ausência de faixas de pedestres e advertências de “pare”, o trânsito flui mais rápido... Não é?

Outra informação que talvez não lhes cause nenhuma reação, apenas para complementar esta missiva, é que, pelo que acompanho do nosso condomínio, nosso IPTU e o IPVA dos moradores, mesmo com sacrifício, andam rigorosamente em dia. E não nos importaríamos se parte do que é arrecadado pelo município nessas rubricas tributárias fosse investido nesses serviços cotidianos de cuidado e manutenção.

Finalmente, queridos gestores, quero agradecer pela possibilidade de, ambientalista e amante da natureza que sou, hoje me ver tentado e desejoso de que algumas árvores sejam radicalmente suprimidas de nossas ruas e bairros. Destocadas! Extirpadas! Não! Longe de mim odiá-las! Eu as amo muitíssimo! Mas deixo aflorar (aflorar? É, o tema realmente mexe com a gente), assim, o meu repúdio pela incompetência dos que escolhem – ou escolheram – os espécimes a serem plantados nos espaços urbanos, talvez desde muito antes de vocês chegarem aos cargos que ocupam. E lastimar pela acomodação em se omitirem a que vocês se acostumaram, desde que aí estão.

 Prometem que, quando algo de muito grave acontecer por causa desta omissão,


como a queda da “poderosa Game” ou de uma de suas irmãs sobre um veículo ou prédio, o rompimento de aquedutos ou o desmoronamento de um prédio, ou o dano a uma carga valiosa, ou, ainda – que Deus nos defenda! - colisões ou atropelamentos com vítimas fatais... Vocês prometem que aparecerão com alguma solução? Temos certeza de que sim. Então, naturalmente gratos, verdes de convicção, aguardamos. Abraços ecológicos em todos!

P.S.: "Comparação!", como diz a excelente atriz Cida Mendes incorporada de sua impagável personagem Concessa: frutíferas podem ser uma alternativa à arborização urbana. Bons aromas, lindas flores, a maioria de médio porte e raízes pivotantes ou axiais, bons frutos, que podem ter a função de alimentar as pessoas, os pássaros e demais animais silvestres, inclusive os morcegos, muitos em franca migração para a cidades.

Nísio Miranda é Bacharel em Direito, Especialista para o magistério superior em Direitos Difusos e Coletivos, Especialista em Poder Legislativo, poeta e ambientalista.