Nas discussões do Plano de Desenvolvimento Sustentável de Paracatu, em diversas ocasiões, salientei a necessidade imperiosa de se conhecer a história do município, para despertar a consciência da artificialidade e transitoriedade da dinâmica sócio-econômica produzida pela mineração. Para ilustrar o movimento sazonal, oscilatório – no popular: o sobe e desce de uma determinada variável ao longo de tempo, como vem acontecendo com a dimensão sócio-econômica da cidade de Paracatu, ao longo da sua história, utilizo uma imagem imortalizada pelo Guimarães Rosa: “pica-pau voa é duvidando do ar”. Todos aqueles que já tiveram o privilégio de observar o voo do pica-pau, o majestoso pássaro brasileiro em sua trajetória oscilatória, que lembra um movimento de onda, percebem a exatidão da imagem para traduzir as variações sócio-econômicas da história de Paracatu. A cidade nasce no ciclo do ouro, nos tempos do Brasil colônia e da escravidão e, apesar da abusiva transferência de renda para a metrópole portuguesa (situação que hoje se repete como farsa histórica na relação com a mineradora canadense Kinross), assiste a um período de vigor e pujança sócio-econômica, transformando-se num importante núcleo urbano, com sua elite econômica e cultural adotando elevado padrão de vida copiado das elites europeias.
Como é próprio da atividade minerária, esta se esgotou e, com ela, a elevada dinâmica socioeconômica, que assiste a um longo período de depressão e decadência. Somente com a construção da capital federal, no sertão do país, é que Paracatu começa a acordar da sua dormência indolente e começa a se levantar.
Um novo impulso ocorre nos anos 1970, com os projetos de ocupação do cerrado, acompanhado do pacote tecnológico que introduz o que veio a ser denominado de agronegócio, modernizando as relações sócio-produtivas no meio rural, implantando os assentamentos rurais empresariais, em substituição aos latifúndios improdutivos e à economia de subsistência – até então reinantes. Essa trajetória ascendente recebe nova energia com o retorno da mineração nos anos 1980, que passa rapidamente do garimpo artesanal para a exploração pelas grandes e predatórias mineradoras multinacionais.
Mais recentemente, a dinâmica socioeconômica local foi impactada positivamente pelos investimentos nos empreendimentos de ensino técnico e superior, em sintonia com a exigência, pelo mercado, de mão-de-obra qualificada para a demanda de expansão e desenvolvimento da economia nacional.
Se, hoje, no município, vivemos um momento de exuberância econômica, com forte crescimento dos setores de serviço e comércio e uma, ainda tímida, industrialização – derivados dos fatores acima descritos – é fundamental recuperar a visão histórica e projetá-la para o futuro. A visão histórica rompe com o fatalismo e recupera a noção de processo, de construção; e atualiza a percepção da forte participação da mineração na economia local e, portanto, dos grandes impactos que virão com a eminente exaustão dos estoques minerários.
A já evocada imagem do voo do pica-pau nos mostra que o município, hoje, encontra-se no topo de um ciclo ascendente e, ainda, que o esgotamento da atividade minerária provocará, como no passado conhecido, um novo ciclo descendente que, só não terá similar impacto negativo, caso tenhamos aprendido a lição da história e, previdentes, adotarmos medidas que promovam o desenvolvimento sustentável local.
No debate em curso tenho, insistentemente, defendido a elaboração e a implementação do plano de desenvolvimento sustentável, com intensa participação dos diversos segmentos sociais. Um plano que promova o incremento das vocações locais, a partir das energias endógenas e diversifique as atividades produtivas: condições decisivas para diminuir os impactos negativos do fim da mineração no município.
O voo do pica-pau, ao resgatar o aprendizado da nossa história, nos chama a todos à responsabilidade pelo futuro comum. No passado, o final do primeiro ciclo do ouro levou à decadência – certamente por ignorância e falta de alternativas. Hoje devemos nos preparar, preventivamente, para encarar, de frente, o fim óbvio do atual ciclo do ouro, tanto do ponto de vista ambiental, quanto do socioeconômico.
Insisto em não perder as esperanças. A natureza ensina e somos aprendizes. Que voe o pica-pau e a consciência se eleve.
(*) Almir Paraca é deputado estadual à Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais pelo Partido dos Trabalhadores.