por Nísio
Miranda
Prezado senhor
prefeito, secretários e competentes assessores. Tenho o prazer de
comunicar-lhes que minha filha está adorando a casa na árvore que a
total ausência de cuidado e podas nos viventes arbóreos do nosso
bairro, ao longo de cinco anos, lhe proporcionou. É o maior barato!
A árvore em frente ao nosso prédio tornou-se um criatório de
pernilongos, pequenos insetos e de morcegos (que certamente vinham
aqui banquetear e resolveram mudar-se de vez, devido à fartura de
alimentos) que são a alegria da casa e da vizinhança! Os últimos,
inclusive, nos presentearam, além da aparência graciosa, com um
painel sui generis, originado da técnica de impressão do rubro de
suas fezes nas paredes de pastilhas claras e nas grades da fachada.
Uma instalação fascinante desses verdadeiros artistas! Vê-se
claramente o despeito no olhar de alguns vizinhos e transeuntes...
A farta sombra que
ela proporciona também é fantástica! Fez dobrar a minha conta de
energia elétrica, pelo uso constante de luzes artificiais durante a
maior parte do dia, principalmente quando alguém está estudando ou
se deliciando com a leitura de um bom livro. Acredito que a conta de
luz dos vizinhos tenha triplicado, pois a sombra atinge mais as suas
janelas do que as nossas. Ou seja, estamos contribuindo com um
reforço para o caixa de uma importante estatal, concessionária de
serviços de energia elétrica. Não é louvável? Talvez assim ela
se digne a prestar melhores serviços à população e distribuir
menos lucros aos seus acionistas, nesse novo governo. Inclusive, a
fiação elétrica, que é de seu uso e fica sob a sua
responsabilidade, em alguns pontos serve de gangorra para os galhos
da nossa plantinha e, em outros, gangorram no berço formado pela
poda egoísta que à companhia é permitida executar, cidade afora.
Por falar em
vizinhos, todos os moradores do andar térreo do nosso prédio estão
muito felizes e orgulhosos com a possibilidade de, muito em breve,
terem a ponta de uma raiz de árvore dentro de suas salas. Um ser vivo/objeto
decorativo que fará sucesso e causará inveja nos demais moradores
do condomínio – caso ela não alcance os andares mais altos. É
que já não sabemos mais como conter suas investidas contra o nosso
passeio, em direção aos alicerces e, consequentemente, aos canos de
água e de coleta de esgoto.
Os motoristas que
passam por nossa rua e, eventualmente, a utilizam para
estacionamento, são outros que encontram-se super felizes com a
presença robusta da velha gameleira, também conhecida como
quaxinguba e figueira-brava (Ficus
insipida), e com a pujança
com que os galhos vão formando sua copa. É que a raiz, não
contente em invadir a calçada e começar a vislumbrar como
território de nova conquista o nosso combalido jardim (condição
pela qual também agradecemos à sua sombra fabulosa), ocupa uma vaga
inteira de estacionamento, permitido nos finais de semana, na faixa
externa da rua. O murundu ainda possibilita aos motoristas manobras
radicalíssimas nos momentos de maior trânsito, para dele se
desviarem sem colidir com os veículos que transitam ao seu lado. É
gratificante observar quantos bons motoristas temos na capital
mineira(!), pois pouquíssimos acidentes acontecem no trecho.
E não é só ao solo
que os motoristas devem atentar, ao desfilarem com seus carangos na
via que nos serve de endereço e domicílio. A atenção deve ser
redobrada com as intervenções aéreas dos mirabolantes galhos que
já vão de encontro às janelas do prédio vizinho – do
outro lado da rua! Vez ou
outra algum baú de caminhão inadvertido costuma, involuntário,
enlaçar-se com um carinhoso tentáculo da “poderosa”. Outra
vantagem desses avanços de galhos e ramagens é que a sinalização
de uma e outra extremidade da via fica, conforme o ponto de visão,
completamente empanada pela cabeleira imponente. Isso permite aos
condutores mais audaciosos imprimirem um pouco mais de velocidade em
seus bólidos, até que descubram que a fila começa a se formar por
causa do sinal fechado e... freiam bruscamente. O que nos alegra é
que essa situação não é privilégio só da nossa rua: 90 % dos
semáforos do nosso bairro e das redondezas estão ofuscados pela
verdura de alguma copa. E a sinalização horizontal, bem como as
placas, estão em péssimas condições de conservação e
visibilidade. O que é bom, pois na ausência de faixas de pedestres
e advertências de “pare”, o trânsito flui mais rápido... Não
é?
Outra informação
que talvez não lhes cause nenhuma reação, apenas para complementar esta missiva, é que, pelo que
acompanho do nosso condomínio, nosso IPTU e o IPVA dos moradores,
mesmo com sacrifício, andam rigorosamente em dia. E não nos
importaríamos se parte do que é arrecadado pelo município nessas
rubricas tributárias fosse investido nesses serviços cotidianos de
cuidado e manutenção.
Finalmente, queridos
gestores, quero agradecer pela possibilidade de, ambientalista e
amante da natureza que sou, hoje me ver tentado e desejoso de que
algumas árvores sejam radicalmente suprimidas de nossas ruas e
bairros. Destocadas! Extirpadas! Não! Longe de mim odiá-las! Eu as
amo muitíssimo! Mas deixo aflorar (aflorar? É, o tema realmente
mexe com a gente), assim, o meu repúdio pela incompetência dos que
escolhem – ou escolheram – os espécimes a serem plantados nos
espaços urbanos, talvez desde muito antes de vocês chegarem aos
cargos que ocupam. E lastimar pela acomodação em se omitirem a que
vocês se acostumaram, desde que aí estão.
como a queda da “poderosa Game” ou de uma de suas irmãs sobre um veículo ou prédio, o rompimento de aquedutos ou o desmoronamento de um prédio, ou o dano a uma carga valiosa, ou, ainda – que Deus nos defenda! - colisões ou atropelamentos com vítimas fatais... Vocês prometem que aparecerão com alguma solução? Temos certeza de que sim. Então, naturalmente gratos, verdes de convicção, aguardamos. Abraços ecológicos em todos!
P.S.: "Comparação!", como diz a excelente atriz Cida Mendes incorporada de sua impagável personagem Concessa: frutíferas podem ser uma alternativa à arborização urbana. Bons aromas, lindas flores, a maioria de médio porte e raízes pivotantes ou axiais, bons frutos, que podem ter a função de alimentar as pessoas, os pássaros e demais animais silvestres, inclusive os morcegos, muitos em franca migração para a cidades.
Nísio
Miranda é Bacharel em Direito, Especialista para o magistério
superior em Direitos Difusos e Coletivos, Especialista em Poder
Legislativo, poeta e ambientalista.