Prezados (as) Eco-cidadãos,
Saúde e Paz!
Às vezes me perguntam onde e quando comecei a me preocupar com a preservação da Natureza. Nas andanças pelas audiências públicas, nos encontros ambientalistas, entre uma conferência do meio ambiente, um seminário, um ciclo de debates e outros eventos, me perguntam porque, quais as razões me levaram a abraçar a causa e outras curiosidades que as pessoas têm, principalmente num mundo em que se faz quase tudo por "modismos" ou "ondas". Confesso que não me lembro, a não ser no que me remete às atitudes primordiais mais simples, como guardar um papel no bolso para depois jogá-lo no lixo, e não na rua; não lançar nada nos córregos e rios, nem em bueiros; não desperdiçar água; não provocar incêndios nas matas; em minhas incursões pela natureza, deixá-la como eu a encontrar, dentre outras. Estes foram tópicos constantes no variado temário do nosso processo educativo, encabeçado pelo meu pai, um intelectual (de grandiosa humildade, mesmo sabendo tudo o que sabia) visionário e idealista; e minha mãe, educadora - na essência mais profunda da palavra - por uma vida inteira; além do convívio com uma família pródiga na multiplicação de educadores e estudiosos de tudo, além de uma rápida passagem pelo universo do escotismo.
O que sei é que a leitura deste livro foi, sem dúvida, um dos grandes impulsos que tive, tanto pela abordagem de indiscutível pesquisa e conhecimento - e nem por isso menos dramática e quase didática - dos assuntos inerentes ao efeito estufa, à desqualificação e à crescente inacessibilidade dos recursos hídricos, ao oxigênio gradualmente rarefeito e outras mazelas (lá se vão mais de vinte anos que o li e reli!), quanto pelo susto que ele me pregou, pelo realismo e a força de sua narrativa. Até hoje tenho meu exemplar em casa e devo admitir que, nas raras vezes em que lhe corro os olhos (há algum tempo não o faço), não me arrisco a enveredar pela sua leitura completa novamente, com um certo temor de reviver o meu sofrimento - lúdico, mas sofrimento! - e até uma não diagnosticada, mas sentida, inicial crise depressiva.
Deveria ser leitura obrigatória - nas escolas, no comércio, na indústria, nos campos, nas repartições públicas, nas ONG's, nas igrejas e em todo lugar do mundo onde a ínfima possibilidade de ameaça à integridade e à harmonia ambiental existe - este petardo profético-ambientalista do mestre Ignácio de Loyola Brandão (foto), para que possamos começar a esboçar a nossa própria salvação.
Oxalá não se me cerrem os olhos antes desta ansiada insurreição!...
Com um ecofraterno abraço,
Nísio Miranda.
Abaixo, entrevista do autor, concedida com exclusividade para o portal "Conservação On-line", da Fundação O Boticário, em
http://internet.boticario.com.br/portal/site/fundacao/
VINTE E CINCO ANOS DE "NÃO VERÁS PAÍS NENHUM", de Ignácio de Loyola Brandão.
A realidade imitando a ficção
Um dos mais consagrados escritores brasileiros, Ignácio de Loyola Brandão, teve seu livro "Não verás país nenhum" relançado pela Editora Global, em edição comemorativa aos 25 anos da obra. Em tempos de mudanças climáticas, o cenário do livro de ficção – com a natureza destruída em nome do "progresso" – nos mostra uma realidade que começa a se desenhar hoje.
Confira abaixo a entrevista do autor, concedida com exclusividade para o Conservação On-line:
CO - Quando a primeira edição do livro "Não Verás País Nenhum" foi lançada, em 1981, você já tinha feito uma pesquisa com notícias de catástrofes ambientais e doenças causadas por poluição, por exemplo, para ambientar o romance num futuro cronológico. Como foi seu contato com essa realidade social e ambiental na época?
Ignácio de Loyola Brandão - Tinha feito uma enorme pesquisa em torno dos assuntos principais que permeiam o livro: clima, hidrografia, buraco de ozônio na atmosfera, poluição, devastação e doenças estranhas causadas pelo sol, pelo aquecimento e pela poluição. Principalmente as doenças me assustavam muito. Levei dois anos lendo todos os tipos de estudos sobre o assunto, li até mesmo a mitologia da árvore, o simbolismo da floresta para o homem, o sentido religioso da árvore, o significado da água para o ser humano. Diria que a bibliografia para o livro oscilou em torno de uns 80 livros anotados, rabiscados, lidos e relidos. Ao mesmo tempo, devorava todos noticiários que envolvessem esses assuntos em jornais, revistas, panfletos, folhetos, teses. Reuni cerca de 4 mil recortes sobre os temas. A professora da PUC de São Paulo Cecília de Almeida Salles teve todo esse material em mãos e preparou inclusive uma tese de mestrado em torno da Genealogia do manuscrito. Foi o primeiro livro sobre o assunto publicado no Brasil.
CO - Alguns aspectos ambientais descritos no livro parecem estar acontecendo nos dias atuais. Dias mais quentes, racionamento de água e de energia, florestas desaparecendo. Você imaginava que isso pudesse virar realidade num futuro tão próximo?
ILB - O escritor, o ficcionista explora seu tema elevando-o ao máximo, até o ponto em que ele se torna quase absurdo. A cada situação eu esticava a corda a sua tensão maior, mesmo porque, olhando em torno, não via nenhum gesto, nenhum movimento por parte da elite dirigente, não via manifestações — escrevi o livro em meados dos anos 70 — que alertassem a população, orientassem, gritassem: basta! A não ser os trabalhos do gaúcho Lutzenberger e de Ruschi, no Espírito Santo. Pensava: se continua assim, vamos chegar onde? Minha intenção era assustar, provocar uma reação de terror, para que as pessoas lendo o livro dissessem: não podemos permitir que isso aconteça. E, no entanto, está acontecendo, virou realidade. Vejam as denúncias dos jornais ainda nesta semana: a Amazônia continua a ser devastada.
CO - Você acredita que a edição especial de relançamento do livro, 25 anos depois da primeira edição, contribui para reforçar o alerta à sociedade sobre a questão ambiental – embora o livro seja um romance de ficção?
ILB - Minha responsabilidade como escritor é alertar, mostrar o mundo que vivemos, a vida como ela é. Em Não Verás País Nenhum temos uma não vida. Acredito que o movimento que está sendo feito em torno desta edição especial é uma das formas de alertar, de dar um grito, de dizer: vamos nos mexer, nos agitar, gritar, agir para evitar a catástrofe. Embora ficção, o romance tem sido visto quase como um documentário. O que mostra que já existe um espírito, uma consciência em torno de tema tão grave.
CO - Oportunidades como o debate na FNAC (que acontecerá em 5 de dezembro, na FNAC-Barigui, em Curitiba), por exemplo, podem expor esse cenário como ponto de partida para repensarmos nossa relação com o planeta?
ILB - Cada gesto, mínimo que seja, contribui para o esclarecimento, a conscientização. Um evento como este na FNAC, instituição que tem prestígio, levada para a frente por outra instituição — porque, convenhamos, o Boticário, mais do que uma empresa, é hoje uma instituição — são fundamentais. Uma ação aqui, uma palavra ali, um texto, uma fala, um livro, tudo é essencial, tudo passa a fazer parte de uma engrenagem a fim de que possamos ver algum País no futuro.
CO - "Não verás país nenhum" obteve grande sucesso, assim como outras obras de sua autoria. Ganhou inclusive versão em teatro, sob direção de Júlio Maciel. Você acredita que a literatura e as artes em geral são capazes de mobilizar a sociedade para uma consciência coletiva? Na sua opinião, a mudança de hábitos visando a sustentabilidade do planeta é uma realidade possível?
ILB - Mais do que possível. Acredito no ser humano. Não acredito que o homem seja suicida. Há um leve movimento destinado a reverter tudo. Agora, a coisa começou a assumir um contexto global. O Nobel dado a Al Gore tem um significado. Começamos a nos mover, ainda que lentamente para nos salvarmos. Mais do que nunca a mídia se debruça sobre o assunto. Veja o enorme caderno dedicado ao Amazonas pelo jornal O Estado de S. Paulo no domingo, dia 25 de novembro. Estamos começando a ter medo, e isso é bom. Começamos com o pequeno gesto de não atirar lixo na rua, continuamos reciclando lixo, tratando de usar detergentes que não agridam o meio ambiente, as empresas cuidam da emissão de gás carbônico, o Ministério do Meio Ambiente torna-se dia a dia mais exigente. Do micro chegaremos ao macro.
CO - O tema meio ambiente percorreu outra obra sua, o "Manifesto Verde", que aborda a ecologia partindo de fatos reais ocorridos no Brasil e no mundo. É um livro que incentiva o leitor a repensar seu comportamento diante da natureza. Essa é uma preocupação presente em sua vida?
ILB - Tenho ainda outro pequeno livro infantil, O Homem Que Espalhou o Deserto, forte, que fala do assunto. Diria que ele é uma das preocupações, desde que senti a faca na carne, pesquisando tanto e me informando. Lembro-me de um fato da infância. Adorávamos brincar num riacho em Araraquara, interior do estado de São Paulo, porque era uma época em que quase não havia brinquedos. Ao menos não havia a exorbitância que existe hoje. Tínhamos de inventar, de usar a natureza. Vivíamos em total contato com a natureza. O rio era maravilhoso, nadávamos, fazíamos ilhas, pontes, tudo. Um dia, começaram a jogar esgotos no riacho, as águas passaram a feder, os pais, preocupados, proibiram os filhos de ir brincar. A gente ia brincar e saía cheio de merda. Um dia, vimos que tínhamos perdido o nosso maior divertimento, o grande prazer, a vida ficou mais chata, triste. O rio passou a se chamar Rio das Bostas. Odioso, mal cheiroso. Foi o primeiro contato que tive com o problema. Tudo isso me veio à cabeça quando escrevia Não Verás. Não quero, simbolicamente, que a gente veja o mundo mergulhado no excremento.
Serviço:
Não Verás País Nenhum - Edição Comemorativa 25 Anos
Autor: Ignácio de Loyola Brandão (Global Editora)