segunda-feira, 18 de março de 2013

 

Sagarana: o que será? 

                                              Por Nísio Miranda




Sagarana não é uma lenda. Muito menos, unicamente, um livro de contos do genial Guimarães Rosa.

Entre um extremo e outro – da mística da palavra; do sertão iniciático e da travessia cotidiana e abrupta, não-dimensionável, íntimo e infinito em cada ser individualizado e múltiplo, à materialização, em prosa irrepreensível do mago tradutor do sertão - a utopia refloresce, insurgindo-se contra a dureza dos dias urbanos, contra a irresignada insatisfação humana traduzida em consumo, em individualismo, em alheamento, em alienação, em estagnação dos sentimentos, em previsível morte multi-aspectual.
Sagarana é, assim, intraduzível. Inobstante isso, localizável – pelo menos geograficamente. Distrito de Arinos, Noroeste das Gerais (como se o sertão não só se permitisse mensurar espiritualmente).
O que não raramente se conclui é que Sagarana tem que ser vivida. Vivenciada. Experimentada e sorvida como algo com que nunca nos deliciamos, seja pela raridade e escassez, seja pela inacessibilidade a que os segredos e os rituais submetem os objetos de desejo, profanos ou sagrados, ao homem que, ao viajar, não se atém à paisagem, não se fluidifica em intersecção com as almas passantes, impregnadas de chão, de inimagináveis venturas e desventuras, transformadas em faces enrugadas e olhos sábios, sorrisos tímidos, mas radiantes de sentimento e esperança.
Sagarana está ali: entre um tanto e outro de sertão banhado pelo contemplativo Urucuia, como um óvulo à espera da fecundação, como animal hibernante na expectativa de outra primavera, como um botão prestes a romper em enigmática flor.
Eis que, ao caminhar, avista-se no horizonte a utopia que, no dizer do poeta, afasta-se a cada passo dado, compelindo-nos à frente. A utopia que provoca os visionários, remetendo-os da intenção ao gesto, da inércia da reflexão ao ato profícuo da recriaçãodo mundo. Pois que “o sertão é o mundo”.

E dali, de modo profético, surgirá, tanto mais o tempo se adiante, para além de vãs promessas – meras indutoras de esperanças, multiplicadoras de sonhos – uma verdadeira incubadora do que de mais carece a nossa gente, do que mais merece a nossa terra, na parceria salutar de gestores públicos, ativistas sociais, culturais, ambientais e lideranças populares, em busca de soluções simples, mas ricas em mobilização social, em reconstrução da cidadania, em desenvolvimento sustentável.
Na generosa acolhida da gente que ali vive, os que ali se encontram, anualmente, constroem os pilares de uma colmeia tecnológica, com uma visão humanista e universalista, que terá operários e operárias em número e qualidade suficientes para polinizar a trajetória da viçosa e fértil Sagarana: feito Rosa para o Sertão.

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