sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Auto de Desagravo a Bento Rodrigues
                                                        Nísio Miranda
A alma de Minas
está soterrada.
A alma dos Gerais
está enlameada.
Como repletos de lama
estão meus ouvidos,
minhas narinas,
minha boca,
meus olhos,
meus pulmões,
as estradas.
Limpa, apenas a
Consciência
Dos omissos.
Imaculada, apenas
a imprevidência
dos impunes
desse e de outros
crimes de mesma
- ironicamente - lavra.
À extensão ampliada
das crateras,
ao crescimento
desmedido dos buracos,
a inversa proporção
ao cuidado,
a ínfima preocupação
com o todo
e a percepção inflada
do lucro.
Ah, sagrado solo
dessas Minas!
Ah, indispensável água
dessas fontes!
Ah, vidas ceifadas
por essa sina
de ser apenas riqueza,
- mero recurso -
aos olhos
insensíveis dos
que investem e
e às burras eleitorais
dos que governam!
E dos que, incautos,
esperam sempre o
tempo da solidariedade,
e a exercem como se se
redimissem
da ausência de convicção
e seriedade
com que deveriam
exercer suas escolhas.
Que dobrem os sinos
de Mariana, de Ouro Preto,
de Congonhas, do Mato Dentro,
de São Gonçalo, de Nova Lima,
de Sabará, de Santa Bárbara!
Que dobrem, de Minas, todos sinos!
Pelas mulheres, pelas meninas,
pelos homens, pelos meninos,
por suas almas, por seus destinos,
Dobrem, dobrem, de Minas, todos os sinos!
Que dobrem, de Minas, todos os sinos! 
Pelos que dormem, pelos que sonham,
pelos poderosos, pelos pequeninos,
pelos que choram, pelos de antes,
pelos de hoje, pelos que virão...
Pelas panelas, ora silentes.
Dobrem, dobrem, sinos de Minas!
Pelos eleitos, pelos esquecidos,
pelos atingidos, pelos que não viram,
pelos ungidos, que aqui não vivem,
mas sofrem, solidários e melancólicos,
a dor planetária de Gaia ferida
Dobrem, dobrem, de Minas, todos os sinos!
Sinos ironicamente fundidos
da mesma matéria,
da mesma omissão,
da mesma inconsequência,
da mesma hipocrisia.
da mesma irresponsabilidade
do mesmo vil e sórdido metal que,
per saecula saeculorum,
cruelmente, nos soterram;
impunemente, nos assolam.




Nísio Miranda é Bacharel em Direito, Especialista para o magistério superior em Direitos Difusos e Coletivos, Especialista em Poder Legislativo, poeta e ambientalista.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Carta das férias na Casa da Árvore

                                                                                                                 por Nísio Miranda

Prezado senhor prefeito, secretários e competentes assessores. Tenho o prazer de comunicar-lhes que minha filha está adorando a casa na árvore que a total ausência de cuidado e podas nos viventes arbóreos do nosso bairro, ao longo de cinco anos, lhe proporcionou. É o maior barato! A árvore em frente ao nosso prédio tornou-se um criatório de pernilongos, pequenos insetos e de morcegos (que certamente vinham aqui banquetear e resolveram mudar-se de vez, devido à fartura de alimentos) que são a alegria da casa e da vizinhança! Os últimos, inclusive, nos presentearam, além da aparência graciosa, com um painel sui generis, originado da técnica de impressão do rubro de suas fezes nas paredes de pastilhas claras e nas grades da fachada. Uma instalação fascinante desses verdadeiros artistas! Vê-se claramente o despeito no olhar de alguns vizinhos e transeuntes...

A farta sombra que ela proporciona também é fantástica! Fez dobrar a minha conta de energia elétrica, pelo uso constante de luzes artificiais durante a maior parte do dia, principalmente quando alguém está estudando ou se deliciando com a leitura de um bom livro. Acredito que a conta de luz dos vizinhos tenha triplicado, pois a sombra atinge mais as suas janelas do que as nossas. Ou seja, estamos contribuindo com um reforço para o caixa de uma importante estatal, concessionária de serviços de energia elétrica. Não é louvável? Talvez assim ela se digne a prestar melhores serviços à população e distribuir menos lucros aos seus acionistas, nesse novo governo. Inclusive, a fiação elétrica, que é de seu uso e fica sob a sua responsabilidade, em alguns pontos serve de gangorra para os galhos da nossa plantinha e, em outros, gangorram no berço formado pela poda egoísta que à companhia é permitida executar, cidade afora.

Por falar em vizinhos, todos os moradores do andar térreo do nosso prédio estão muito felizes e orgulhosos com a possibilidade de, muito em breve, terem a ponta de uma raiz de árvore dentro de suas salas. Um ser vivo/objeto decorativo que fará sucesso e causará inveja nos demais moradores do condomínio – caso ela não alcance os andares mais altos. É que já não sabemos mais como conter suas investidas contra o nosso passeio, em direção aos alicerces e, consequentemente, aos canos de água e de coleta de esgoto.

Os motoristas que passam por nossa rua e, eventualmente, a utilizam para estacionamento, são outros que encontram-se super felizes com a presença robusta da velha gameleira, também conhecida como quaxinguba e figueira-brava (Ficus insipida), e com a pujança com que os galhos vão formando sua copa. É que a raiz, não contente em invadir a calçada e começar a vislumbrar como território de nova conquista o nosso combalido jardim (condição pela qual também agradecemos à sua sombra fabulosa), ocupa uma vaga inteira de estacionamento, permitido nos finais de semana, na faixa externa da rua. O murundu ainda possibilita aos motoristas manobras radicalíssimas nos momentos de maior trânsito, para dele se desviarem sem colidir com os veículos que transitam ao seu lado. É gratificante observar quantos bons motoristas temos na capital mineira(!), pois pouquíssimos acidentes acontecem no trecho.

E não é só ao solo que os motoristas devem atentar, ao desfilarem com seus carangos na via que nos serve de endereço e domicílio. A atenção deve ser redobrada com as intervenções aéreas dos mirabolantes galhos que já vão de encontro às janelas do prédio vizinho – do outro lado da rua! Vez ou outra algum baú de caminhão inadvertido costuma, involuntário, enlaçar-se com um carinhoso tentáculo da “poderosa”. Outra vantagem desses avanços de galhos e ramagens é que a sinalização de uma e outra extremidade da via fica, conforme o ponto de visão, completamente empanada pela cabeleira imponente. Isso permite aos condutores mais audaciosos imprimirem um pouco mais de velocidade em seus bólidos, até que descubram que a fila começa a se formar por causa do sinal fechado e... freiam bruscamente. O que nos alegra é que essa situação não é privilégio só da nossa rua: 90 % dos semáforos do nosso bairro e das redondezas estão ofuscados pela verdura de alguma copa. E a sinalização horizontal, bem como as placas, estão em péssimas condições de conservação e visibilidade. O que é bom, pois na ausência de faixas de pedestres e advertências de “pare”, o trânsito flui mais rápido... Não é?

Outra informação que talvez não lhes cause nenhuma reação, apenas para complementar esta missiva, é que, pelo que acompanho do nosso condomínio, nosso IPTU e o IPVA dos moradores, mesmo com sacrifício, andam rigorosamente em dia. E não nos importaríamos se parte do que é arrecadado pelo município nessas rubricas tributárias fosse investido nesses serviços cotidianos de cuidado e manutenção.

Finalmente, queridos gestores, quero agradecer pela possibilidade de, ambientalista e amante da natureza que sou, hoje me ver tentado e desejoso de que algumas árvores sejam radicalmente suprimidas de nossas ruas e bairros. Destocadas! Extirpadas! Não! Longe de mim odiá-las! Eu as amo muitíssimo! Mas deixo aflorar (aflorar? É, o tema realmente mexe com a gente), assim, o meu repúdio pela incompetência dos que escolhem – ou escolheram – os espécimes a serem plantados nos espaços urbanos, talvez desde muito antes de vocês chegarem aos cargos que ocupam. E lastimar pela acomodação em se omitirem a que vocês se acostumaram, desde que aí estão.

 Prometem que, quando algo de muito grave acontecer por causa desta omissão,


como a queda da “poderosa Game” ou de uma de suas irmãs sobre um veículo ou prédio, o rompimento de aquedutos ou o desmoronamento de um prédio, ou o dano a uma carga valiosa, ou, ainda – que Deus nos defenda! - colisões ou atropelamentos com vítimas fatais... Vocês prometem que aparecerão com alguma solução? Temos certeza de que sim. Então, naturalmente gratos, verdes de convicção, aguardamos. Abraços ecológicos em todos!

P.S.: "Comparação!", como diz a excelente atriz Cida Mendes incorporada de sua impagável personagem Concessa: frutíferas podem ser uma alternativa à arborização urbana. Bons aromas, lindas flores, a maioria de médio porte e raízes pivotantes ou axiais, bons frutos, que podem ter a função de alimentar as pessoas, os pássaros e demais animais silvestres, inclusive os morcegos, muitos em franca migração para a cidades.

Nísio Miranda é Bacharel em Direito, Especialista para o magistério superior em Direitos Difusos e Coletivos, Especialista em Poder Legislativo, poeta e ambientalista.