sexta-feira, 9 de maio de 2008

A III CONFERÊNCIA DE MEIO AMBIENTE E A POLÍTICA NACIONAL SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS - Por Gilney Viana


A III Conferência Nacional de Meio Ambiente, é o maior evento ambientalista do Brasil. Juntamente com as duas anteriores, constitui importante contribuição para a formação de um ambientalismo de massa no país ao reunir mais de 100.000 pessoas em suas sucessivas etapas. Esta grandiosidade deve trabalhar no sentido positivo de superar as dificuldades de diálogo com o segmento empresarial e as pequenas querelas dos burocratas de plantão.

A III Conferência por decisão do MMA se concentra no tema de Mudanças Climáticas. Aqui encerra a sua potência e a sua limitação. Potência por concentrar as discussões e resoluções da III Conferência em um tema central da conjuntura nacional e internacional. Limitação, ao propor a discussão do tema em seu “Caderno de Debate”, sem uma análise nem uma visão crítica do modelo de desenvolvimento econômico, social e ambiental dominante no país; e ao mesmo tempo sem um liame que dê consistência sistêmica às diversas propostas parciais.

Um exemplo. No Eixo Temático I. Florestas. Na apresentação do tema, destaca-se a participação de 75% dos desmatamentos e queimadas no total de emissões de CO2 do país e corretamente enumera uma série de propostas a começar por “perseguir o desmatamento ilegal zero nos biomas brasileiros”. Em contrapartida apresenta o sucesso do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia ao reduzir as elevadas taxas anuais de desmatamento. Sem contextualizar historicamente. Sem considerar as assimetrias da economia brasileira que levam a Amazônia Legal crescer mais do que o restante do país, seja no período de estagnação (décadas de 1980 e 1990) seja na atual fase de crescimento; embora nessa fase de capitalismo globalizado deva responder mais ativamente aos estímulos do mercado. A participação relativa da região no PIB do país cresceu de 5,27% em 1985 para 6,43% em 1995 e 7,90 em 2005; e seu rebanho bovino deu saltos de 14,65% em 1985 para 23,27% em 1996 e 33,23% em 2006, em relação ao rebanho bovino nacional. Só para ficar no principal responsável pelo desmatamento; mas há a soja e toda a agropecuária convencional.

A questão central: esta é a inserção da Amazônia Legal no atual (e anterior) modelo de desenvolvimento do país? Este é o modelo de desenvolvimento que queremos? Sobre uma coisa e outra não há uma abordagem sistêmica no texto em discussão; bem diferente do que propõe o antigo texto do PAS – Programa Amazônia Sustentável.

Esta forma de propor o debate se distancia do enfoque dos Relatórios do IPCC, cuja credibilidade é suportada por três razões básicas: uma crítica ambiental consistente, com medições e previsões da elevação da temperatura média da Terra e seus possíveis impactos; a identificação da contribuição da ação humana, ou seja, do modo como se produz e consome e se relaciona com o meio ambiente; e finalmente, uma estratégia global para enfrentar o problema com propostas de metas de estabilização dos gases do efeito estufa e previsão de custos segundo alguns cenários de crescimento econômico.

Está certo o companheiro Hamilton Pereira, Secretário de Articulação Institucional do Ministério do Meio Ambiente, em artigo no site do PT, datado em 02052008: “Nos seis anos do governo Lula o Brasil enfrentou com relativo êxito esse triplo desafio: crescemos com democracia. É inegável. Crescemos com distribuição de renda. Na verdade, invertemos a máxima do ex-ministro Delfim Neto “crescer para distribuir”. Hoje, podemos dizer: “o Brasil distribui para crescer”. Todavia, não incorporamos a dimensão da sustentabilidade socioambiental à cultura do novo ciclo de desenvolvimento.”

O enfoque inicial da III Conferência é o inverso: a sustentabilidade socioambiental embasa todas as propostas do “Caderno de Debates” sem, contudo, propor a incorporação dessa dimensão ao novo ciclo de desenvolvimento.

Esta é a questão central: por mais válidas e necessárias que possam ser as políticas e os programas específicos, e por melhor que sejam os seus resultados, o sucesso da Política Nacional de Mudanças Climáticas depende em última instância de quanto conseguiremos incorporar sistemicamente a dimensão socioambiental no processo de desenvolvimento e fixação de metas a serem alcançadas a um determinado custo.
E isto depende da atuação da sociedade civil, do empresariado e do governo trabalhando numa mesma direção. Como diz o IPCC, envolve metas e custos para alcançá-las, que, digo eu, devem ser adequadamente distribuídos, para que os trabalhadores e os mais pobres da sociedade não sejam duplamente penalizados, pela injustiça ambiental vigente e pela injustiça de arcar com os ônus para mitigar ou superá-la; o que, espero, será considerado pela III Conferência de Meio Ambiente.

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